domingo, 28 de dezembro de 2008

A FUGA


Dedico esse texto à Priscila Amaco – minha amiga, prima e companheira que eu tive o prazer de reencontrar ontem em uma conversa de botas batidas.
É engraçado como o tempo molda as pessoas, ou as pessoas se moldam no tempo, de uma forma tão perfeita que sempre há um resquício, uma característica que nunca será removida por qualquer agente – no caso da minha prima, a tagarelice. – e isso faz de nós seres reconhecíveis sempre, se pelo menos uma vez, conhecidos ao profundo.
Te amo muito prima!


O coração pulsava normalmente e o corpo gélido mantinha-se vivo. A pele clara salientava as veias esverdeadas e azuladas de seu rosto seco – o nervosismo passara longe dali.
Por muito tempo viveu apática aos fluxos sentimentais e forças externas que por ela passaram. Era um ser tão indiferente consigo mesmo que se fazia diferente em meio social até o dia - trágico dia - que sua felicidade fora devolvida. A primeira reação foi de dor. A segunda de impaciência. Suas veias pareciam desejar pular epiderme afora, mas sua insensibilidade a fazia contorcer os próprios órgãos, promovendo uma sensação remota de vômito. As mãos se esfregavam com medo de sentir e o espírito livrava-se da dor da verdade enquanto ela conhecia as delicias do desejo proibido. Seu corpo suava e seu vomito recolhia-se de forma discreta, cedendo espaço a libertinagem – pela primeira vez ela sabia o que era satisfação. Sua preocupação não era com toda aquela exposição e sim com retração que tornara sua vida óbvia e dura; ela precisava abandonar os conceitos e lançar-se ao esgoto que era tudo aquilo, Mas foi covarde. Esqueceu dos desejos, lembrando-se da proibição. Lambeu os lábios e largou, junto com a salinha escura de cinema, a sua felicidade, tardia, mas ainda felicidade.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

ABORTO


Eu habitava meu mundo sozinho e inquestionável. Ora emocional, ora de acordo com o próprio conhecimento. Eu tinha a oportunidade de agir segundo as minhas próprias ondas, então parava. Eu encolhia diante da proibição do meu próprio ser e respeitava, mais que tudo, eu. Eu, pequena, estável até o momento em que entrei em contato, excedi meu temor, escorreguei em direção ao vulgo e, parcialmente, abandonei minha alma egoísta. Passei por pessoas, ouvi sons diferentes, me socializei. Absorvia mais do que conjecturava, seguia mais do que sentia. Eu estava sendo levada, e varrida em direção ao meu fim individual; mas algo pressionava minha cabeça, cerrava meus pés e esmagava meu coração, não havia mais alma, se foi minha vida.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

ROSA CHÁ


Dedico este texto à Míryan Paranhos.


Seus olhos tão afortunados, diamantes rigorosamente lapidados eram alvo de meu total desejo. Eu não teria medo de me entregar aos seus extintos. Tão leve e tão afável, por uma tarde eu a diria todas as coisas com que havia sonhado na noite em que estremeci de medo. Meus dedos sentiriam o calor de seu corpo, meus lábios lhe dariam o doce gosto da lucidez. Eu me sentia desnecessariamente intocável até o momento em que a vi decolar de sua fase mais inocente e idiota. Seu jeans maravilhosamente desgastado pelo tempo censurava o meu olhar. Limitava a minha mente de imaginar coisas absurdas e promíscuas. Eu a encontrei, e por nada a largaria pela rua. Era raro demais pra deixar pra trás. Eu a amava e queria liqüidar meu adversário, mas antes, levá-la ao ápice da loucura, ao ponto de fazê-la desistir de lutar por sua própria vida. Eu queria mais, muito mais que um corpo frio. Antes um cadáver gélido do que uma alma vivente fria. E por fim eu descobri que eu era nada mais, nada menos do que um serial killer apaixonado.